Rating no xadrez: Como calcular?
Para tratarmos deste assunto, tão importante no xadrez quanto saber as
regras da FIDE e participar de competições, buscamos três artigos publicados no
site Xadrez Total por um dos mais renomados árbitros de xadrez de nosso país o
AI Mauro Amaral.
Rating - Parte
I
Por AI Mauro Amaral
e AI Marius Romboutvan Riemsdijk
Logo que alguém começa a jogar xadrez, ouve falar sobre rating
e se pergunta “O que significa isso? Para que serve?”. Rating nada
mais é que a medida da força de um jogador, calculada através de fórmulas
matemáticas. O rating FIDE, na forma conhecida atualmente, foi
criado pelo físico húngaro-americano Arpad Emrick Elo (1903-1992, foto)
para a Federação Estadunidense de Xadrez (USCF), na década de 60.
Ao criar o sistema de rating, Elo estava preocupado em mais
do que apenas uma ordem de força entre os vários jogadores. Ele pretendia ser
capaz de atribuir probabilidades de vitória para cada confronto a ser
realizado. Para tanto, e diante de sua experiência como físico, baseou seu
sistema na Teoria dos
Erros e usou uma escala de intervalo.
No geral, essas escalas são arbitrárias. Ao longo da história do xadrez,
foi comum a distinção da habilidade dos jogadores por níveis (terceira, segunda
e primeira categorias, mestre, grande mestre, etc.). Isso era especialmente
verdadeiro para os Estados Unidos. Ao criar sua escala, Elo queria que um
intervalo de classe correspondesse aproximadamente a estes níveis determinados
pela tradição enxadrística. Além disso, queria que sua escala incluísse todos
os níveis sem que um rating jamais ficasse negativo.
Ademais, já havia um sistema de rating em uso nos
Estados Unidos quando Elo começou seus estudos da matéria, o sistema Harkness
(criado por Kenneth
Harkness). Nesse sistema, o intervalo de classe era de 200 pontos e
esperava-se que um jogador com 2000 pontos de rating tivesse um aproveitamento
de 50% na grande maioria dos abertos de final de semana em que participasse.
Como essa escala servia bem a seus objetivos, Elo manteve-a, alterando apenas a
maneira como as variações de rating e performances eram
calculadas.
Nessa escala (figura abaixo, extraída do livro de Elo),
novatos teriam menos de 1200 pontos. Os intervalos entre 1200 e 1400; 1400 e
1600; 1600 e 1800, e 1800 e 2000, correspondiam a jogadores amadores das
classes D, C, B e A – ou 4ª, 3ª, 2ª e 1ª categoria – respectivamente, no
entendimento de então da USCF. O intervalo entre 2000 e 2200 abarcaria a grande
maioria dos experts e
candidatos a mestre. O intervalo 2200-2400 abrangeria a maioria dos mestres nacionais.
2400-2600 incluiria a grande maioria dos mestres internacionais e grandes
mestres. Os jogadores acima de 2600 eram vistos como potenciais candidatos ao
título mundial.
Alguns desses valores modificaram-se com o tempo. Embora o Mundial e o Brasileiro
Amador, exijam que seus participantes tenham menos que 2000, o adjetivo se
aplicaria a muitos jogadores na faixa 2000-2200.
Em seu recém-criado título de candidato a mestre, a FIDE exige um rating mínimo
de 2200. Assim, a grande maioria fica na faixa entre 2100 e 2300. Os títulos de expert e
mestre nacional não são reconhecidos pela FIDE. O primeiro corresponde
aproximadamente ao de candidato a mestre, e o segundo ao de mestre FIDE. Destes
é exigido 2300 (ficando, portanto, a maioria na faixa 2200-2400). Dos MIs,
exige-se 2400 (a maioria está em 2300-2500). Dos GMs, é exigido 2500
(pouquíssimos têm menos que 2400). Hoje, dificilmente um jogador com menos de
2750 pode ser seriamente considerado como um candidato ao título máximo do
xadrez.
Rating - Parte
II
Já tendo uma idéia do que seja rating e do que seus
valores significam, vamos começar a ver como o sistema Elo funciona.
Começaremos pelo conceito de rating-performance (que abreviaremos
para Rp daqui por diante). Rp é uma medida de
desempenho de um jogador em um determinado torneio. Grosso modo, ele é
calculado considerando a pontuação de um jogador e seus adversários. Levados
esses fatores em conta, o Rp nada mais é do que a resposta à
seguinte pergunta: Esta pontuação, contra esses adversários seria esperada para
um jogador com qual força (rating)?
Antes de vermos exatamente como ele é calculado no sistema Elo,
discutiremos brevemente as diferenças deste para o sistema Harkness. Embora
ambos usem a mesma escala (criada por Kenneth Harkness para o sistema que leva
seu nome), o Elo baseia-se deliberadamente na distribuição
normal, enquanto o Harkness tem como sua base intuitiva uma função linear.
Enquanto na primeira espera-se que dois terços das performances de um jogador
fiquem dentro de um intervalo de classe, na segunda isso acontece apenas na
metade das vezes.
Diversos testes realizados a partir dos anos 60 revelam a superioridade
do sistema Elo sobre o Harkness.
Passemos agora ao cálculo de Rp. Dois fatores são relevantes
neste cálculo: o rating médio (Rc) dos adversários
enfrentados e a porcentagem da pontuação alcançada nas partidas em questão.
Consultamos a tabela abaixo até encontrarmos a porcentagem alcançada (P na
tabela, mostrada em ordem decrescente e à moda estadunidense: como um número de
duas casas decimais entre 0 e 1) e anotamos a diferença de rating equivalente,
ou seja, o número à direita da porcentagem, Dp. Basta somar Dp ao
Rc e obtemos o Rp:
Rp =
Rc + Dp.
Como exemplo, utilizaremos performances de um torneio realizado em
Moscou no ano de 2012, o Aberto
Aeroflot.
Três jogadores terminaram a prova empatados na primeira posição, com 6,5
em 9 (72% de aproveitamento).
Observamos na tabela que o Dp correspondente a esta
porcentagem é 166.
O GM vietnamita Le Quang Liem (2664
pontos de rating FIDE) teve o melhor desempate e por isso foi
declarado bi-campeão da prova (havia vencido o ano anterior).
Seus adversários tinham um rating médio de 2643. Assim,
sua performance foi de 2809 [2643+166].
Também fizeram 6½ os GMs russos Nikita Vitiugov (2709)
e Evgeny Tomashevsky
(2695, terminou a prova invicto). O primeiro enfrentou um Rc de
2637 e, portanto, obteve um Rp de 2803, enquanto que o segundo
encarou um Rc de 2631, com um Rp de 2797. Os
três tiveram, como era de se esperar, os três maiores Rp do
torneio.
Os GMs brasileiros Alexandr Fier (2571),
Krikor Mekhitarian (2528)
e Felipe El Debs (2499)
também participaram da prova, terminando, respectivamente com 4½ (50%), 3½
(39%) e 3 (33%) pontos. Seus Rc foram respectivamente 2643,
2614 e 2617. O Rp de Fier é o mais fácil de calcular: como ele
fez 50%, seu Dp é zero, e o Rp é igual ao Rc,
no caso, 2643. Os Dp de Mekhitarian e El Debs são,
respectivamente, -80 e -125 (Dp é um número negativo para
desempenhos abaixo dos 50%). Assim seus Rp foram 2534 e 2492.
O Aeroflot é um torneio muito duro: naquele ano (2012) foram 86
jogadores no grupo A, sendo 72 GMs, 2 GMFs, 9 MIs, 2 MFs e apenas um jogador
não-titulado. Um exemplo da dificuldade do torneio foi o desempenho da jovem
sensação filipina, o GM Wesley So (2673, 18
anos). So abandonou a prova após a sexta rodada, tendo empatado cinco de seus
jogos e perdido o restante (2,5/6, 42%, Dp -57). Como seu Rc foi
de 2564, seu Rp foi 2507, longe de ser ruim, mas muito abaixo
da expectativa de um astro em ascensão.
Apenas um jogador teve um Rp fora de um intervalo de
classe de seu rating atual: o MI russo Daniil Dubov (2459,
15 anos, invicto, 5/9, 56%, Dp 43, Rc 2656, Rp 2699),
um dos jogadores a conquistar norma de GM na prova.
O Rp mais baixo da prova foi do MI jordaniano Sami Khader (2450,
o rating mais baixo do torneio). Ele teve cinco derrotas na
prova e conseguiu apenas três empates, ficando bye na oitava
rodada. Calculando: 1½/8, 19%, Dp -251, Rc 2519,
Rp 2268.
Rating - Parte
III
Uma das grandes vantagens de
escrever sobre um assunto é o quanto aprofundamos nosso conhecimento sobre o
mesmo no processo (o mesmo vale para ensinar). Mesmo árbitros experientes podem
descobrir algo inesperado no processo e foi exatamente isto o que aconteceu com
este artigo. Já havíamos escrito os seis parágrafos abaixo quando a surpresa
aconteceu.
“Ok!”
você diz. “Já vimos o que rating significa; vimos como, onde, quando e
porque o sistema Elo foi desenvolvido; comparamo-no brevemente ao sistema
Harkness; também vimos como calcular performances.” “Cui bono?” você pergunta;
“como faço para conseguir meu rating e com quanto eu começo?”
Para
responder essa pergunta, vamos nos concentrar no rating FIDE.
Embora
os ratings publicados
por outras entidades possam também ter algum valor, nenhum alcança a
universalidade e credibilidade do publicado pela Federação Internacional. Daqui
por diante, qualquer referencia a rating implicará em rating FIDE, a não ser que indicado em
contrário.
Pelo
regulamento atual, para obter rating, um jogador precisa
enfrentar pelo menos nove adversários que já tenham rating publicado em torneios válidos para
tanto. Isso pode ser feito num único torneio, ou em blocos
de, no mínimo, três partidas.
Mesmo
que um jogador forme seu rating num único torneio, costuma-se falar de bloco
ainda assim. Os blocos devem ser conseguidos todos num período de, no máximo,
dois anos. Há restrições adicionais. No primeiro bloco, o jogador deve
conseguir, no mínimo, um ponto contra os adversários com rating.
Além disso, o bloco deve ficar acima do patamar mínimo de rating da FIDE (atualmente, 1200). Cumpridos
todos esses requisitos, o jogador terá seu rating inicial publicado na próxima lista da
FIDE.
E como
saber qual o rating alcançado? Suponha que um jogador forme seu rating num
único torneio. Caso ele tenha um aproveitamento igual ou pior que 50%, a seu
bloco será atribuído um valor (Pr) igual ao seu rating-performance (Equação
1 abaixo). Caso contrário, ao rating médio de seus adversários será somado
12,5 para cada meio ponto conseguido acima de 50% (Equação 2 abaixo).
Pr = Rp [P≤50%] (Equação 1)
Pr = Rc + 25 * (W – 0,5 * n) [P>50%]
(Equação 2)
Onde “W” é a pontuação alcançada pelo jogador, “n” é o número de
partidas dos blocos e os demais símbolos seguem as definições já apresentadas
aqui e nos itens anteriores.
Como
exemplo, vejamos o desempenho de alguns jogadores sem rating no último Campeonato Brasileiro Amador
2011, realizado durante o carnaval no Clube de Xadrez São Paulo.
Josef
Ponec terminou a prova na terceira colocação, com 5½ pontos nas sete rodadas
disputadas. Todos seus adversários tinham rating, mas na primeira
rodada Ponec venceu por ausência. Descontando-se essa partida (partidas não
jogadas são desconsideradas para efeito de cálculo de rating), seu desempenho
foi de 4½ em 6 (P = 75%, portanto aplicaremos a Equação 2).
Seu Rc foi de 1958, assim seu bloco (Pr)
é de 1996 [1958 + 25 * (4,5 – 0,5 * 6) = 1995,5 que é arredondado para cima].
Victor
Cavinato Moura também fez 5½ mas, com pior desempate, foi o quarto colocado.
Todos seus adversários tinham rating, numa Rc de 1923 (novamente, utilizaremos a Equação
2). Assim, seu Pr foi
de 1973 [1923 + 25 * (5,5 – 0,5 * 7)].
Eduardo
de Aquino Gambale terminou na nona colocação, com 5 pontos. Seu adversário da
segunda rodada, a quem Gambale venceu, não tinha rating e o Rc dos demais é de 1831. Assim, seu
desempenho foi de 4 em 6 (P = 67%). Seu Pr foi de 1856 [1831 + 25 * (4 – 0,5 *
6)].
Para
ilustrar o uso da Equação 1, usaremos como exemplo o jogador Evandro José
Coronado, que terminou a prova com três pontos. Seu adversário da sexta rodada,
com quem empatou, não tinha rating. Assim, seu
desempenho foi de 2½ em 6 (P = 42%) contra um Rc de 1815.
Como
ditado pela Equação 1, seu Pr é
igual ao seu Rp (rating-performance), que
calcularemos de acordo com a fórmula [Rp =
Rc + Dp], vista no artigo anterior. O Dp correspondente a 42% é de -57, assim
seu Pr é de 1758 [1815
– 57].
Agora
já sabemos como calcular os blocos. E quanto ao rating inicial?
No caso
de um único bloco de nove ou mais partidas nada mais fácil: o rating inicial é
igual ao Pr do bloco.
E se forem
precisos mais de um bloco para formar o rating?
Nesse
caso, calcule Pr para
cada um dos blocos, conforme explicado no parágrafo anterior e o rating inicial (Rn) será igual à
média ponderada dos blocos, usando o número de partidas do bloco como peso:
Rn = (Σ ni * Pri)/( Σ ni)
(Equação 3)
Agora
já sabemos como calcular os blocos. E quanto ao rating inicial? Nada mais fácil:
consideram-se todos os blocos como se fossem conseguidos num único torneio e
calcula-se o Pr equivalente.
Fontes:
David Hooper & Kenneth Whyld; The Oxford Companion to Chess
Arpad E. Elo; The rating of Chessplayers – Past & Present
Bozidar M Kazic et all.; The Chess Competitor’s Handbook (capítulos
sobre rating escritos por Elo)
www.fide.com (Especialmente,
o Fide Handbook)
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